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O governo americano decidiu interferir no projeto de lei da Austrália que obriga empresas como o Google e o Facebook a pagar por conteúdos produzidos por empresas de mídia. Representantes do Departamento de Relações Comerciais dos EUA sugeriram que, caso a medida seja aprovada e Google e FB sejam forçados a pagar por jornalismo, o governo australiano poderá sofrer as consequências por desrespeitar suas “obrigações econômicas internacionais”.

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O projeto de lei, atualmente em análise para votação na Austrália, busca implementar novas medidas para a divulgação de informações do país e prevê a criação de um código de conduta que obriga empresas como o Facebook e o Google a pagar pela utilização de conteúdos provenientes aos portais jornalísticos do país. A justificativa estaria no fato de que a Alphabet (empresa proprietária do Google) e o conglomerado Facebook lucram mais que os veículos jornalísticos por apenas direcionar o conteúdo aos usuários. Este argumento ganhou reforço durante a pandemia da Covid-19 quando a arrecadação publicitária de veículos jornalísticos diminuiu.

Lei prevê multa e suspensão de empresa que não fizer o repasse

O Código está em análise há 18 meses e já descobriu alguns detalhes interessantes sobre o lucro das empresas no país. Na Austrália, para cada A$ 100 (dólares australianos; R$ 407) gastos em publicidade online, A$ 53 (R$ 215) vão para o Google, A$ 28 (R$ 114) para o Facebook e apenas A$ 19 (R$ 77) para outras empresas de mídia. Isto inclui outros gigantes internacionais como o Twitter e TikTok, deixando uma parcela muito pequena para veículos locais.  Na prática, a renda que antes ia para os sites de jornais fica com as big techs.

Por isso, o código prevê multas e até suspensões caso as empresas não cumpram estas solicitações, podendo haver até processos em relação aos direitos autorais dos materiais que forem divulgados sem o devido repasse aos veículos. Caso o Google e o Facebook se recusem a pagar pela utilização dos conteúdos jornalísticos, o código ainda sugere uma regulamentação nos preços praticados pelos anúncios das empresas.

Marck Zuckerberg é frequentemente questionado pelas políticas de privacidade e lucro do Facebook. Foto: JD Lasica/Wikimedia

Marck Zuckerberg é frequentemente questionado pelas políticas de privacidade e lucro do Facebook. Foto: JD Lasica/Wikimedia

O governo americano está preocupado que a tentativa de regulamentação da Austrália acabe prejudicando mais algumas empresas do que outras, tendo em vista que tanto a Alphabet, quanto o Facebook são empresas americanas. E, com isso, que as sanções também impactarão na sua economia.

O Departamento de Relações Comerciais emitiu um documento timbrado com o gabinete do presidente Donald Trump ao governo australiano declarando que, caso aprovada: “a regulamentação pode levantar preocupações com relação às obrigações comerciais internacionais da Austrália”.

Protecionismo tech?

Grande parte da economia a Australia é baseada na exportação de insumos, minérios e produtos agrícolas. Um dos seus maiores parceiros comerciais é a China, pais que em 2020 viu diversas de suas empresas de tecnologia sofrerem um boicote global liderado pela política de Donald Trump. Empresas como a Huawei e a TikTok, inclusive, estão ameaçadas de banimento nos Estados Unidos.

Apesar da ameaça americana, a Austrália pretende seguir em frente com a regulamentação. Em comunicado oficial, o tesoureiro australiano Josh Frydenberg declarou que o governo está empenhado em oficializar o código divulgado em dezembro e que o objetivo é abordar o desequilíbrio no poder de barganha entre empresas de mídia e plataformas digitais.

Mesmo com a crise diplomática que podem causar entre os países, Google e Facebook não pretendem ceder as imposições da Austrália. As empresas declaram que, mesmo sem o repasse de mídia, ambas as plataformas possuem iniciativas de fortalecimento e inovação em plataformas de notícias locais.

A Alphabet, por exemplo, possui o Google News Initiative – uma plataforma de apoio ao jornalismo independente que fornece cursos, programas de inovação e até investimento em projetos selecionados anualmente.

Já a empresa de Mark Zuckerberg, por sua vez, conta com o Facebook Journalism Project – uma iniciativa parecida ao News Initiative que também fomenta a capacitação e o investimento em projetos locais de notícias. Ambas as plataformas possuem parceiros na Austrália.

Google News Initiative e Facebook Journalism Project oferecem a capacitação e financiamento de projetos jornalísticos ao redor do mundo. Divulgação: Google News Initiative

Google News Initiative e Facebook Journalism Project oferecem a capacitação e financiamento de projetos jornalísticos ao redor do mundo. Divulgação: Google News Initiative

Em 2019, o Facebook também lançou uma aba dedicada exclusivamente para notícias em sua rede social. De acordo com a empresa, nos países em que a função está ativa também ocorre o repasse de lucros para veículos cadastrados.

Alcance reduzido

A reação de Google e FB a serem forçados a pagar por jornalismo têm se mostrado pouco amigável, para dizer o mínimo. Como retaliação ao anúncio do projeto de lei, o Google chegou a diminuir o alcance dos veículos locais no país. Ao pesquisar por veículos como a versão Australiana do The Guardian, por exemplo, os resultados de busca incluíam apenas as páginas de Facebook, Twitter e da Wikipedia do jornal.

Em sua defesa, o Google disse que a medida se tratava de um teste de comportamento dos usuários, algo feito com frequência em suas plataformas e que a medida duraria até fevereiro de 2021 Já o Facebook afirmou que a regulamentação pode implicar em mudanças nos termos de uso de usuários australianos da rede social. A empresa pode impedir a publicação de notícias locais em seu feed, ou mesmo limitar o alcance de páginas jornalística do país.

A lei que pode obrigar o Google e o Facebook a pagar pela exibição de conteúdos jornalísticos na Austrália é apenas a ponta do iceberg de problemas enfrentados pela rede social nos últimos anos. O Facebook possui uma centena de acusações envolvendo o vazamento de dados de usuários, a priorização de conteúdo pago nos feeds e a constante modificação dos algoritmos para prejudicar ou diminuir o alcance de portais jornalísticos.

Somente em 2020, a empresa de Mark Zuckerberg colecionou polêmicas por se recusar a penalizar páginas e usuários que compartilhavam Fake News. Durante as eleições presidenciais americanas, o clima ficou mais acirrado com o próprio CEO emitindo declarações sobre considerar a publicação de apoiadores violentos do presidente Donald Trump um exemplo de liberdade de expressão.

Techs versus verdade

Após a pressão da comunidade e de outras empresas, o CEO voltou atrás e concordou com o banimento do presidente e de materiais relacionados a invasão do Capitólio de suas redes. A decisão foi tomada na mesma semana e quem o The Verge publicou um estudo sobre como o Facebook diminui o alcance (isto é, a distribuição dos links) de portais jornalísticos como a CNN e o The Guardian para usuários da Geórgia durante as eleições para o Senado.

Os eleitores do estado também receberam fake News patrocinadas pelas campanhas republicanas para prejudicar a imagem dos candidatos democratas. De acordo com o estudo, o Facebook teria condições para interpretar e barra este tipo de publicação.

Outra preocupação dos Estados Unidos estaria no fato de que a iniciativa australiana de fazer Google e FB pagarem por jornalismo possa motivar outros países a fazerem o mesmo. O efeito seria parecido com as Leis Gerais de Proteção de Dados da União Europeia (GDPRs), uma medida que teve início para discutir a privacidade de cidadãos europeus e acabou impactando na readequação de práticas empresariais do mundo inteiro, inclusive no Brasil.

Via Reuters
Imagem: iStock