O Facebook vem sendo utilizado por governantes como ferramenta de manipulação política e de ataques à oposição em países de terceiro mundo. A revelação feita por uma ex-funcionária ao jornal The Guardian garante que a rede social é conivente com as ações.
Em entrevista publicada nesta segunda-feira (12/04), a cientista de dados e ex-funcionária do Facebook, Sophie Zhang, revelou ao tabloide que a rede social teria permitido grandes abusos de sua plataforma em países pobres, pequenos e não ocidentais, priorizando publicações que atraem atenção da mídia ou favorecem os Estados Unidos e outros países de primeiro mundo.
De acordo com Zhang, durante o tempo em que esteve na empresa, o Facebook agiu rapidamente para solucionar casos identificados de manipulação política em países como Estados Unidos, Coreia do Sul e Polônia. Já em países como o Iraque, Afeganistão, México e Brasil, no entanto, a empresa teria feito vista grossa, avançando devagar ou mesmo ignorando as situações.
Equipe de fake news?
A cientista social trabalhou no setor de ciência de dados do Facebook entre janeiro de 2019 a setembro de 2020, quando foi demitida por “mau desempenho”. A sua função era a de justamente erradicar o engajamento em fake news e outras publicações perigosas aos usuários.
Em um relato publicado no Buzzfeed News, a ex-funcionária declarou que ao menos 35 países podem ter sido afetados com a omissão da empresa quando se trata de manipulação política. No período em que esteve na plataforma, a profissional relata que encontrou diversas tentativas de governos utilizarem a rede social em grande escala para propagar informações falsas, ou mesmo manipular determinados comportamentos entre os cidadãos. Segundo a cientista, a manipulação acontece por meio da criação de um falso engajamento, no qual são utilizadas contas e perfis falsos para aumentar o número de curtidas, compartilhamentos e comentários das publicações.
Ela cita a eleição do atual presidente de Honduras, Juan Orlando Hernández, como fruto da atuação das contas falsas. Zhang descobriu evidências, em agosto de 2018, de que a equipe do político utilizava perfis fakes para impulsionar o engajamento de publicações de sua campanha eleitoral. Cerca de 90% do engajamento recebido em suas publicações seriam de eleitores fantasmas.
Apesar disso, o Facebook identificou estas interações como válidas, garantindo que o conteúdo chegasse em outros perfis e, consequentemente, resultando no aumento da visibilidade do candidato. De acordo com Zhang, a equipe do Facebook identificou que o mesmo administrador da conta do presidente também era responsável por administrar uma centena de páginas responsáveis pelo compartilhamento do conteúdo.
Ações como esta seria possíveis graças à uma falha nos termos de uso do Facebook, que embora exija que as contas de usuários sejam autênticas, não toma nenhum tipo de medida para evitar a propagação de fake News entre administradores de páginas. Deste modo, um criador pode criar mais de uma página para propagar, curtir e comentar o seu próprio conteúdo. Este tipo de estratégia é amplamente utilizado por governos do mundo inteiro. No Azerbaijão, por exemplo, o presidente Ilham Aliyev estaria utilizando da mesma estratégia para efetuar ataques programados de comentários em páginas de veículos de notícia que cobrem os abusos do governo no país.
Estratégia foi utilizada por candidatos brasileiros em 2018
Os relatos da ex-funcionária do Facebook condizem com as investigações de manipulação política realizadas pela CPI das Fake News, no Senado brasileiro, que garantem fraudes e ataques organizados por grupos políticos desde as eleições presidenciais de 2018.
De acordo com CPI, plataformas como o Facebook e o Whatsapp são as principais redes utilizadas para propagação de desinformação no país. Nos últimos quatro anos, o chamado “gabinete do ódio” teria atuado pró-governo Bolsonaro de maneira semelhante aos exemplos do Azerbaijão e Honduras na criação de fake news contra a oposição e para reforçar medidas tomadas pelo governo.
A atuação destes grupos busca levantar termos nos assuntos mais relevantes e dar à população a impressão de que há consenso em determinadas pautas. Nos últimos quatro anos, estas estratégias foram utilizadas incontáveis vezes para manipular a opinião pública contra veículos de imprensa, instituições como o Congresso, o próprio STF e, mais recentemente, contra as ações de combate ao coronavírus. Em decorrência à pandemia de Covid-19, a CPI está paralisada com prazos suspensos até que os trabalhos presenciais sejam retomados pelo senado.
O que diz o Facebook
O Facebook não nega as afirmações feitas por Zhang sobre o período em que esteve na empresa, apenas declarou que persegue agressivamente os abusos de poder em todo o mundo e que tem equipes especializadas focada na identificação de contas e ações que se beneficiam de fragilidades da plataforma para a propagação de fake News.
A rede social ainda acrescentou que: “como resultado, eliminou mais de 100 redes de comportamento inautêntico coordenado e que cerca de metade delas eram redes que operavam em países ao redor do mundo, incluindo países a América Latina, Oriente Médio, norte da África e Ásia”.
De acordo com o Facebook Brasil, ao menos 35 contas, 14 páginas e 1 grupo no Facebook, além de 38 contas no Instagram, todas ligadas à família Bolsonaro e ao antigo partido do presidente, o PSL, foram removidas da plataforma no último ano por propagar informações falsa para pelo menos 883 mil usuários no Facebook e 917 mil usuários do Instagram.
A rede social estima que somente em 2020, ao menos cem mil reais foram utilizados para a criação de anúncios com informações falsas pelo grupo, fora as quantias utilizadas para outras ações que não dizem respeito a informações falsas, mas acabam resultando em desinformação, como é o caso das ações anti-vacinas e isolamento social durante a pandemia de coronavírus
Apesar da afirmação, um levantamento feito pela Avaaz, rede de mobilização civil online, indica que o Facebook demorou para tomar alguma atitude. De acordo com a ONG, a rede social passou a agir ativamente contra este tipo de manipulação política no último trimestre de 2020, estes esforços não mudam o fato de que ao menos 10 bilhões de publicações com conteúdo falso foram exibidos aos usuários ao longo do ano.
O levantamento também revela que o engajamento de publicações falsas foi muito maior que o recebido por páginas que, teoricamente, teriam garantia no conteúdo propagado, como é o caso de páginas de sites de notícias. De acordo com o levantamento, o ápice da propagação de fake News na rede social aconteceu em agosto de 2020, após a intensificação das discussões sobre racismo, o agravamento da pandemia e a proximidade com as eleições presidenciais americanas.
Especificamente no Brasil, o problema é ainda pior quando se fala em monitoramento de grupos de WhatsApp. Diariamente, milhares de informações são propagadas em grupos políticos de maneira coordenada. A medida encontrada pelo Facebook para paralisar a manipulação política é o controle ao compartilhamento, limitando a quantidade de grupos em que se pode encaminhar uma mensagem por disparo, além da parceria com entidades para a criação de chatbots e outros mecanismos de checagem.
Infelizmente, os esforços não são suficientes. A rede social tem potencial para investir mais em políticas de conscientização dos usuários e, principalmente, no aprimoramento dos termos de uso e na fiscalização de administradores de páginas e grupos.
Extensão do Facebook preocupa comunidade internacional
O Facebook atualmente conta com cerca de 2,8 milhões de usuários ao redor do mundo. Se fosse um país, seria o maior do mundo, com uma extensão territorial quase tão grande quanto a de um continente. O alcance da rede social e a falta de regulamentação tem sido motivo de preocupação para diversas nações e entidades internacionais. No último ano, tanto a empresa em si, quanto o seu criador Mark Zuckerberg, tiveram que prestar esclarecimentos em processos de países como Estados Unidos e na União Europeia
Entre os escândalos recentes, está o fato de que a rede social fez vista grossa e até agiu para beneficiar ativistas de extrema-direita durante os ataques ao Capitólio, em janeiro de 2021.
Via The Guardian
Montagem sobre imagem de Jade Scarleto/Unsplash