O fim da divisão de celulares da LG já era esperado, mas o fato não deixou de chocar o mundo da tecnologia. Afinal, a companhia sul-coreana ainda é a terceira fabricante de celulares nos Estados Unidos, com 11% de participação na venda de aparelhos, e uma marca historicamente reconhecida pela excelência no design e na área de hardware. No entanto, o que aconteceu para a LG encerrar sua operação? Ou melhor: quais fatores recentes na indústria de smartphones fez a empresa recuar no empreendimento?
O Vida Celular já falou um pouco sobre como vai funcionar a frequência de atualizações para os aparelhos mais recentes, assim como os desdobramentos do fim da operação no Brasil. Agora, tentaremos esmiuçar um pouco mais sobre os motivos que levaram esta que já foi uma das marcas mais inovadoras na indústria a declarar seu fim no início do mês.
Por que a LG foi importante?
Quinze anos atrás, quando os celulares eram relevantes, mas não indispensáveis, a LG se firmou no mercado por investir especialmente no design dos aparelhos. Seu carro-chefe na época era o Chocolate, provavelmente um dos celulares mais elegantes (e populares) da história. Quase um item de alta costura, tinha até 120 MB de memória RAM, câmera traseira de 2 MP, teclado deslizante e botões sensíveis ao toque – características de saltar os olhos dos pré-adolescentes (este autor incluso) nos anos 2000.
O Chocolate – que teve uma série de variantes no mundo (no Brasil, o modelo padrão de vendas era o MX800) – rivalizava com o Razr, da Motorola, e se tornou o aparelho mais vendido de todos os tempos para a marca sul-coreana. Seu sucessor, o Shine, possuía memória interna inferior, mas não fez feio no mercado, em especial no Brasil, onde vendeu bem até o início dos anos 2010.
Pouco antes do Chocolate, o VX9800 – ou “The V”, como era conhecido nos EUA – foi outro exemplo de excelência em design. Lembrava um Blackberry pelo formato clamshell e foi um dos primeiros telefones da LG com teclado físico completo. O Prada, lançado em 2007 e criado em conjunto com a grife homônima, também fez um alarde pela aparência luxuosa.
Perda de espaço
Como em qualquer processo de decadência, a LG caiu a passos vagarosos. O que é interessante observar, porém, é que a marca sul-coreana começou relativamente bem a era dos smartphones na década de 2010.
Em 2012, por exemplo, o Nexus 4 se tornou o modelo de referência para um recém-criado Android. Diga-se, um smartphone sólido para aqueles tempos, com dez horas de autonomia e câmera traseira de 8 megapixels. Na mesma época, a linha G, uma das mais longevas da LG, ajudou a firmar a marca como a terceira maior vendedora de celulares nos Estados Unidos. Reviews da época teciam elogios ao Optimus G, o primeiro desta geração, com destaque para a tela de 1080 pixels de 5,5 polegadas.
Revisitar manchetes desse tempo, em contraponto, nos ajudam a desvendar o porquê da LG ter perdido terreno. “Apple e Samsung venceram as guerras do smartphone”, dizia uma manchete do The Guardian no dia 25 de janeiro de 2013, pela qual conseguimos entender como a fabricante conterrânea se firmou rapidamente como sinônimo de Android no mercado. À época, pode-se dizer, nenhum fabricante de Android chegou próximo da popularidade do S III, o que ajudou a estabelecer o grande duopólio no mercado mobile do século 21: Apple contra Samsung.
Neste contexto, sobrou para a LG se tornar muito mais um sobrevivente do que um competidor. “A questão durante os últimos meses não era se a LG deixaria o negócio de telefonia móvel, mas como”, vaticina Ben Wood, chefe de pesquisa da CCS Insight, em entrevista ao site Tech Radar.
O fim e o futuro
O sucesso de Samsung e Apple, no entanto, foi apenas uma face da derrocada. A partir de meados dos anos 2010, a LG passou a enfrentar uma dura oposição de marcas chinesas como Xiaomi, Huawei e Oppo. Com preços mais acessíveis e uma tecnologia suficiente para competir no rincão premium, a ascensão da China na indústria de smartphones ajudou a cimentar a queda de popularidade dos sul-coreanos.
É verdade que a LG estava à frente dos concorrentes em alguns aspectos, como na opção de produzir câmeras com um campo de visão mais amplo – muito antes de Apple e Samsung. Mas a perda de aproximadamente US$ 4,5 bilhões ao longo dos últimos seis anos, segundo a Reuters, acabou culminando no fechamento da divisão mobile, mesmo sem ter conseguido um comprador. A partir de agora, com o fim de seus celulares, a LG vai se concentrar em áreas como dispositivos para casa inteligente, componentes de veículos elétricos, robótica e inteligência artificial.
A escassez de semicondutores no mercado durante o ano passado também pode ter contribuído para o fim das atividades. “Ao contrário da rival doméstica Samsung, foi difícil para a LG garantir suprimentos estáveis de chips e outros componentes [em 2020]”, explica Wood. “Também há as vantagens de escala: os principais fornecedores de processadores, como a Qualcomm, vão atender primeiramente empresas como Apple, Samsung e Xiaomi.”
De qualquer modo, o fim dos celulares da LG é um sinal dos tempos. Alguns dos pioneiros na primeira onda de celulares, como Nokia e Blackberry, caíram na obscuridade ou saíram do mercado. E com a indústria se encaminhando cada vez mais para a conectividade 5G, no que parece uma nova dobra na era de smartphones, a LG fez o que parecia ser o mais prudente: deixar o palco antes de cair na obsolescência absoluta.
Imagem: Mitul Gajera/Unsplash/CC