Antes de saber por que não há voto por celular no Brasil, é bom responder: alguém no mundo faz isso? E a resposta é: sim. Só um país: a Estônia.
Não confunda voto pela internet com voto eletrônico. O sistema brasileiro é totalmente offline. As urnas imprimem seus resultados e os guardam em dispositivos físicos. Os números totalizados são enviados por rede própria, não internet, aos tribunais eleitorais. Votar por internet é algo completamente diferente: é fazer isso por um aplicativo no seu celular.
Experiências com voto pela internet, via celular ou desktop, já foram feitas no Canadá, EUA e, mais extensivamente, Suíça. Todas encontraram barreiras políticas, técnicas e do público.
Na Suíça, país com um sistema de consulta direta à população por meio de referendos constantes, o sistema começou em 2003. Mas nunca pegou: nas eleições de 2017, apenas 90 mil dos 8,5 milhões de suíços fizeram uso do voto pela internet. Os outros votaram em papel ou por correio, as duas opções tradicionais. Em 2019, uma campanha contra o voto uniu partidos de esquerda e direita. O futuro é do voto pela internet na Suíça é bem incerto.
Onde funciona
Na Estônia, a história é muito diferente. O voto pela internet começou em 2005 e, em 2007, foi integrado ao novo sistema de identidade digital, usando um cartão com chip. Inicialmente, o sistema funcionava por aplicativos em desktop. Hoje, por smartphones. O processo começa entre quatro e seis dias da data final das eleições. Pelo app, os estonianos podem mudar seu voto quantas vezes quiserem. Se alguém que votou pela internet decide votar na urna, o voto na internet é cancelado: a urna tem prioridade.
E a urna é com papel mesmo. A maioria dos estonianos ainda prefere assim. Nas últimas eleições, 56,2% preferiram pegar na caneta que no celular. Mas o sistema é considerado em geral um sucesso, sem nenhum escândalo de fraude desde seu início. Porém, não sem controvérsias: no lançamento, o presidente Arnold Rüütel tentou um recurso na justiça para impedir o novo sistema, mas perdeu. Ainda hoje, ativistas tentam banir o voto pela internet, sem sucesso.
Os críticos do voto por celular se preocupam principalmente com a possibilidade de fraude. Celulares podem ser invadidos por malware para mudar o voto, e o voto também pode ser adulterado antes de ser transmitido para um servidor local, ou do servidor local para o nacional.
Para fraudar uma eleição via internet, seria preciso não só invadir milhares um servidor grande ou milhares de aparelhos, como fazer isso sem nunca ser detectado. Não há qualquer indício de algo assim ter na Estônia. Mas a Estônia não é exatamente uma prioridade para sabotadores internacionais.
A volta do cabresto?
Mas, mesmo se a segurança não for questionada, há questões de natureza mais humana. Outra preocupação comum é que nem todas as pessoas possuem acesso à internet, ao celular, ou ao conhecimento digital para votar por ele. Mesmo que o voto offline continue a existir, esses eleitores analógicos podem se sentir desestimulados a votar, quando é mais complicado para eles que para os outros.
Talvez não se aplique muito a um país com voto obrigatório como o Brasil, mas há uma preocupação que definitivamente merece ser ouvida. Não há como garantir que o voto eletrônico seja secreto. Que uma pessoa votando via internet não tenha alguém a ameaçando, pedindo para olhar no celular ou talvez tirar um screenshot do voto.
Significa que, particularmente em regiões já problemáticas, como áreas dominadas por milícias no Rio de Janeiro, o voto por celular pode se transformar no ancestral voto do cabresto. Uma distopia do século 21.
Imagem: Ono Kosuki/Pexels/CC